domingo, 10 de outubro de 2010

O MEDO


A dificuldade em retomar a rotina após uma experiência difícil é uma realidade.
Mas às vezes saber qual é esta realidade é mais complicado.
Conseguir identificar, distinguir a fantasia do sonho.
Algumas pessoas ultrapassam a linha que separa o tangível do mágico.
O bem do mal, o possível do impossível, o razoável do incrível.
Quando se cruza essa fronteira uma vez, por mais breve que seja o momento,
Abre-se uma espécie de portal, um fosso escuro repleto de devaneios.
Coisas estranhas iniciam um trânsito, deixando para trás a normalidade da vida tranqüila.

Alguns jovens passaram dois meses isolados do mundo em uma caverna, como parte de um estudo de uma universidade brasileira. O tempo passou lentamente naquele escuro, úmido e singular ambiente. Houve relatos de medo, pânico, apatia, cansaço inexplicável, letargia e sonhos, muitos sonhos.
Um dos jovens participantes da experiência, falou que sonhava muito com o mundo fora da caverna. Com as refeições que sua mãe lhe preparava e com detalhes menores que muitas vezes lhe passavam despercebidos. Dias ensolarados e cheios de vida, com todos os ruídos característicos e naturais.
Uma coisa especialmente lhe martirizava: ao acordar, caía em profunda tristeza quando percebia que sua liberdade continuava cerceada, que a realidade não havia mudado e continuaria naquele buraco, rodeado de pessoas que a cada dia se transformavam mais. Verdadeiros zumbis que já não se preocupavam com a aparência, higiene pessoal e pormenores importantes em uma sociedade. Mas bem pior que isso, suas mentes regrediam a passos largos rumo a um estado básico e primitivo. Já se cogitava agressões físicas por alimentos e usurpações morais, castigos físicos e leis unilaterais que se prevaleciam do uso de poder arbitrário e coação psicológica. Manipulações e dissimulações. Subjugação e violência.
Oito anos depois, quando questionado sobre a experiência inusitada que realizou em companhia de seus colegas, afirmou ao entrevistador ainda sonhar muito. Mas os sonhos continuam os mesmos, curiosamente. Sonha com as coisas que vê diariamente, com dias ensolarados e a ‘rotina confortável da classe média’, ironizou. Esse seria o grande problema. Agora é enquanto dorme que o pavor se manifesta, pois uma espécie de consciência durante o sonho apareceu.
Um pavor cruel lhe toma o corpo, acelera o coração ao despertar e não conseguir abrir os olhos. É o pavor insano de acordar dentro da caverna novamente. Às vezes ele pode jurar que isso está bem perto de acontecer...
André Machry

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