segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Viagens Infernais

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Em uma de minhas muitas viagens ao inferno descobri uma mulher sentada em uma pedra,
Sua pela descolava de seu rosto deixando uma carne levemente rubra à mostra.
Aproximei-me e mergulhei fundo em seus olhos. Ela não chorava, apenas gemia baixinho, um sussurro dolorido.
O seu olhar tinha uma expressão que nunca havia visto em nenhum outro. Pensei ser agonia, ou medo, ou o brilho do suplício...
Procurei em volta alguém em semelhante estado, mas só encontrei o desespero comum, os gritos de tortura e gemidos de desespero.
Desesperar no reino de Plutão é uma obviedade. Todos aquelas almas pareciam covardemente amedrontadas, humanamente sofridas.
Ela não. Os cães sedentos de sangue e de pecados rodeavam a todos em ataques esporádicos, menos à ela.
Aquilo me intrigou muito.
'Quem és e porque parece estar imune ao sofrimento comum? Os cães não te procuram e os demônios não te acossam'.
Depois de algum tempo, e o tempo nesses lugares não entra, olhou-me como uma cega. Parecia olhar através de mim.
Nada me disse.
Era Níobe, filha de Tântalo e Dione, percebi. E a pedra onde se sentava fundia-se ao seu corpo.
Sete filhos e sete filhas mortos peloss arqueiros divinos, que não tiveram piedade.
Seu sofrimento fora tamanho que havia transformado-se em uma montanha, coração morto e duro como uma rocha.
Dela vertia uma nascente muda de água límpida e amarga. Seus olhos, porém, eram cegos e secos.
A própria morte não lhe visitaria.
Sofria ali, pedra marcada indelevelmente pelo mais puro e simples sofrimento.
Confesso que maior que o sentimento de dor ao vê-la, foi o de maravilhar-me com aquela cena verdadeira incontestável.
O amor e o ódio, o regozijar e o sofrer são como proa e popa.
Cara e coroa da mesma asquerosa moeda.
Fui-me e deixei Níobe para tráz.
Talvez aquela pedra já não sentisse mais nada, tivesse a alma
Algo me fez pensar que ela ainda tentou me dizer algo. Mas o sofrimento além de cegar também emudece.
Apenas impressão.
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Um comentário:

  1. Muito bom o blog e as artes são divinas e não morre Parabéns pela inteligência coment: Paulo Jafet

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